Recorte inédito de dados de desempenho no Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem) de 2010 nas capitais do País, além de confirmar a distância
entre as notas médias dos estudantes de colégios particulares e os de escolas
públicas, revela o abismo que separa estudantes brancos e negros das duas
redes.
Da rede pública. Luana Miranda e Inaiá Regina
Os números mostram que as notas tiradas pelos alunos brancos
de escolas particulares no exame são, em média, 21% superiores às dos negros da
rede pública - acima da diferença de 17% entre as notas gerais,
independentemente da cor da pele, dos estudantes da rede privada e os da rede
pública.
O levantamento também aponta distorções entre os Estados. De
acordo com especialistas, esse cenário é o reflexo da desigualdade social e
também da diferença dos níveis de qualidade das redes estaduais.
A reserva de vagas por cor de pele está na Lei de Cotas
aprovada no Senado na semana passada (mais informações nesta página). O projeto,
que precisa ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que 50% das
vagas das universidade federais sejam reservadas para alunos da escola pública
- respeitando critérios de renda e reservas proporcionais por Estado para
pretos, pardos e indígenas.
Como a maioria das federais adota o Enem como critério de
seleção, o levantamento indica um cenário aproximado sob a nova Lei das Cotas.
Vantagem da escola paga. Por sua vez, a nota média de negros
que estudam em escola privada é 15% superior às dos negros da rede pública -
próxima dos 17% entre todos os estudantes da rede particular e da rede pública.
Embora em menor dimensão, a variação de desempenho entre
negros e brancos dentro da escola pública também é desvantajosa para o primeiro
grupo. Na média, os brancos têm médias 3% maiores que os negros. O fato de os
negros terem rendimento menor do que os brancos, mesmo dentro da rede pública,
tem explicações econômicas e pedagógicas, segundo a diretora do Todos Pela
Educação, Priscila Cruz.
Na questão econômica, segundo ela, a explicação é que
"entre os pobres, os negros são os mais pobres". O lado pedagógico
refletiria a baixa expectativa. "Em uma sala de aula, se uma criança negra
começa a apresentar dificuldade, a professora desiste de ensiná-la muito mais
rapidamente do que desistiria de um estudante branco."
O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), José
Fernandes Lima, ressalta que há um "acúmulo de desigualdades".
"Fica claro que temos dois tipos de desigualdade: a social e racial. É a
soma de dificuldades", afirma ele, que defende a combinação do fator
racial com a cota cujo princípio é a escola pública. "Se os alunos da
escola pública entram em desvantagem com a rede privada, os alunos negros da
escola pública têm uma desvantagem ainda maior."
Abismos. Segundo Lima, há outros fatores importantes para
entender os dados, como a qualidade das redes públicas - principalmente
estaduais -, índices de reprovação e até realidades culturais locais.
Essa complexidade de fatores fica clara ao analisar os dados
por capitais. O mapa do desempenho pelo fator racial mostra verdadeiros
abismos. O negro de Belo Horizonte que estuda em escola pública, por exemplo,
tem nota 12% superior à do negro da mesma rede em Manaus. As duas cidades têm os
extremos de notas desse grupo: 521,03 e 463,85, respectivamente.
Vitória, capital capixaba, tem uma média de 502,59 nas
provas objetivas (sem a redação) dos estudantes negros, a sexta maior entre as
capitais. Mas na comparação com os alunos brancos de escolas particulares, a
diferença é a maior de todas: os brancos da rede privada têm média 27% superior
à dos negros das públicas.
Não por acaso, os negros de escolas públicas de Vitória têm
o pior desempenho na comparação com os brancos da mesma rede: nota 8% inferior,
demonstrando que as diferenças raciais se reforçam até na mesma realidade
escolar daquele Estado. Os negros das escolas particulares não têm o mesmo
sucesso em notas que os brancos da mesma rede.
A proporção de negros por Estado, que vai servir como
critério para a reserva de vagas nas universidades e escolas técnicas federais,
influencia as médias. Salvador, por exemplo, tem uma das maiores proporções de
negros na sua população. Apesar da participação maciça desse grupo na escola
pública, a diferença de nota para os brancos de escolas privadas bate em 25% -
só perde para Vitória.
Textos. Em geral, as diferenças de desempenho entre negros e
brancos sempre são menores nas notas das redações. Em Florianópolis,
considerando a parte objetiva do Enem, há uma distância de 20% entre a nota
média de negros de escolas públicas e a de brancos das particulares. Na
redação, essa diferença cai para 8%.
Segundo o professor Francisco Platão Savioli, da USP e do
Anglo, a explicação envolve os tipos de competências que a redação consegue
avaliar. "A redação não mede um conhecimento momentâneo, mas um
conhecimento calcado na experiência de vida, até mesmo na luta contra as
contrariedades", diz ele. "O texto avalia competências que outras
matérias não avaliam."
Fonte: Estadão
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